Utilize este identificador para referenciar este registo: http://hdl.handle.net/11067/6601
Título: A pertença do corpo humano
Outros títulos: Self-ownership
Autor: González, José A.R.L., 1965-
Palavras-chave: Corpo humano - Direito e legislação
Data: 2020
Citação: González, José A.R.L. (2020) - A pertença do corpo humano. Lusíada. Direito. ISSN 2182-4118. 23-24 (2020) 65-154.
Resumo: Em termos filosóficos, a afirmação de uma full self-ownership serve caracteristicamente para fundamentar a reserva de um amplíssimo espaço de liberdade individual. Em especial, frente ao Estado. A respetiva tradução jurídica não se apresenta, contudo, literalmente exequível. O senhorio sobre o corpo humano não pode visualizar-se como direito de propriedade plena no sentido do artigo 1305.º do Código Civil. É, por um lado, consideravelmente mais estreito – no que toca, designadamente, aos poderes de fruição e de disposição. E é, por outro, consideravelmente mais amplo – por não se sujeitar a uma série de limitações, comuns em outras formas de domínio (v.g. a não subordinação a atos de natureza expropriativa ou análoga). Mantendo afinidade com o direito de propriedade – porque esta é a forma de pertença melhor conhecida e, sobretudo, tecnicamente mais apurada –, só pode concluir-se que o domínio sobre o corpo apresenta carácter sui generis. Os traços que o identificam marcam demasiadas diferenças ante aquela para que a similitude ainda se possa sustentar. Sem prejuízo de ser objeto de tal senhorio, acresce que o respeito pela dignidade inibe a qualificação do corpo como coisa tout court. O que, só por si, constitui já razão suficiente para lhe negar a natureza de direito de propriedade. Quando vulgarmente se diz que cada ser humano é dono do seu corpo o que se pretende afirmar é que a respetiva soberania, produto da sua autonomia, lhe pertence. E que, por conseguinte, tanto quanto possível, as decisões relativas a ele (sobre a sua saúde, o seu destino, as agressões a que eventualmente se há de sujeitar, etc.) lhe cabem igualmente. É o que do apelo a tal linguagem se extrai. Ela não implica (até por não se encontrar dotada de carácter técnico), contudo, que o conceito de propriedade a que se alude seja aquele que nos é fornecido pela História. O domínio sobre o corpo apresenta-se, então, como (mais) um tipo de direito de personalidade. É, com efeito, uma espécie de direito subjetivo absoluto que a cada qual se concede tendo em vista a defesa da sua dignidade. 2. Em relação aos fragmentos ou pedaços do corpo que dele hajam sido desligados, a questão não se põe de idêntico modo. Uma vez cindidos, deixam de se encerrar no corpo. Tal qual a separação de uma parte integrante ou componente de qualquer outra res corporales origina a constituição de um novo domínio sobre ela no instante em que tal evento sobrevém, também aqui o direito que, depois da desagregação, recai v.g. em células, tecidos ou órgãos do corpo já não há de ser o mesmo que sobre ele incide. Não se vislumbra então alternativa à sua classificação como propriedade plena, nem, sobretudo, se identificam obstáculos para tanto.
In philosophical terms, the affirmation of full self-ownership characteristically serves to support the reserve of a very large space of individual freedom. Particularly when facing the State.The respective legal translation is not, however, literally feasible. The ownership over the human body cannot be a full property right in the sense of article 1305 of the Civil Code. It is, on the one hand, considerably narrower – regarding the powers of enjoyment and disposition. And it is, on the other hand, considerably broader – for not being subject to a series of limitations, common in other forms of dominance (eg, non-subordination to acts of an expropriative or similar nature).Maintaining affinity with the right to property – because this is the best-known form of belonging and, above all, technically more refined –, it can only be concluded that the domain over the body has a sui generis character. The features that identify it mark too many differences compared to that for similarity to be sustained. Without prejudice to being the object of such a ownership, it is added that respect for dignity inhibits the qualification of the body as a simple thing. Which is already sufficient reason to deny the nature of property rights.When it is commonly said that each human being owns his body, what is meant is that the respective sovereignty, the product of his autonomy, belongs to him. And that, therefore, as far as possible, the decisions related to him (about his health, his destiny, the aggressions to which he will eventually be subjected, etc.) also fall to him. It is what is extracted from the appeal to such language. It does not imply (even because it is not endowed with a technical character), however, that the concept of property referred to is the one provided by History. The dominance over the body then presents itself as a type of personality right. It is, in effect, a kind of absolute subjective right that each one is granted with a view to the defense of their dignity. 2. Regarding fragments or pieces of the body that have been disconnected from it, the question does not arise in the same way. Once split, they no longer lock themselves in the body. Just as the separation of an integral part or component from any other corporeal origin gives rise to the creation of a new domain over it the moment that such an event occurs, here too the right that, after the breakdown, falls, e.g. in cells, tissues or organs of the body it will no longer be the same as that which affects it. There is therefore no prospect of an alternative to its classification as full ownership, nor, above all, are there any obstacles to this.
Descrição: Lusíada. Direito. - ISSN 2182-4118. - S. 2, n. 23-24 (2020). - p. 65-154.
URI: http://hdl.handle.net/11067/6601
https://doi.org/10.34628/ssb1-z358
Tipo de Documento: Artigo
Aparece nas colecções:[ULL-FD] LD, s. 2, n. 23-24 (2020)

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